Home Editoriais Cidades Violência em Anápolis: primeiro semestre tem 101 assassinatos

A média aponta um caso de homicídio a cada dois dias; grande parte dos crimes são execuções por acerto de contas ligado ao tráfico e uso de drogas

MARCOS VIEIRA

A execução de três irmãos dentro de casa, no Conjunto Filostro Machado, surpreendidos por dois homens enquanto dormiam, mortos diante da própria mãe, serviu para acender, mais uma vez, o sinal de alerta em Anápolis. Com o triplo homicídio, a cidade atingiu a marca de 99 mortes violentas, mas o primeiro semestre de 2016 não terminou sem que esse ranking macabro chegasse à casa da centena.

Os primeiros seis meses do ano terminam com o registro de 101 assassinatos. A média aponta um caso a cada dois dias em Anápolis. Vale informar que as estatísticas da Polícia Civil informam 98 homicídios no mesmo período, mas trata-se apenas de uma questão de divisão dos crimes para efeito de estatística, pois as outras três ocorrências são de latrocínio, que é o roubo seguido de morte. Ou seja, na soma, 101 mortes violentas.

O que chama a atenção é que grande parte desses crimes, quase 90%, segue o padrão de execuções. Geralmente a vítima já era ameaçada, mas por também ter algum envolvimento no mundo do crime, se negava a buscar apoio de alguma autoridade policial. Muitos assassinatos neste ano ocorreram em plena luz do dia, em via pública, mas geralmente o padrão é outro: os matadores invadem a residência do alvo e atiram diversas vezes contra ele, atitude que serve também para passar um recado, mostrar quem domina uma determinada região na venda de drogas.

Os entorpecentes, aliás, são os motivadores de grande parte dos assassinatos. O caso do triplo homicídio no Filostro Machado ilustra bem essa constatação. As informações preliminares é que o irmão mais novo, Márcio Santos Melo, 21, vendia drogas na região e, portanto, era ameaçado por outro traficante, com maior poderio. As negativas em parar com a atividade fizeram com que Márcio fosse morto com os dois irmãos, Fernando e Pedro, que foram identificados somente como usuários.

Na quinta-feira (30), um jovem de 14 anos de idade foi morto também por envolvimento com drogas. O caso exemplifica a dificuldade das famílias em lidar com esse tipo de situação: o menino era filho de um policial militar bastante querido e atuante na cidade. Ainda na noite de quinta, Carlos Coimbra e Souza, 29, foi vítima de tentativa de homicídio na Rua José Neto Paranhos, no Jundiaí, em frente a uma pizzaria. Foram sete tiros. Até o fechamento dessa edição, seu estado era gravíssimo e ele estava internado na UTI do HUAna.

DISPUTAS
Essa disputa entre traficantes, raramente admitida pela polícia, deixa a noite anapolina cada vez mais perigosa. A qualquer momento o cidadão de bem pode estar em um restaurante, bar ou pit dog sentado próximo de um alvo de bandidos. Na ação pode sobrar para quem não tem nada com a situação. Em maio um homem foi morto enquanto cortava o cabelo em um salão na Boa Vista. O cabeleireiro acabou tomando um tiro na ação criminosa.

A sensação que se tem é que a situação poderia ser bem pior. A PM de Anápolis é bem atuante, com uma Companhia de Policiamento Especial (CPE) que tenta cobrir os locais mais críticos da cidade, em todos os momentos, mas sempre esbarra na falta de efetivo. O encolhimento do tamanho da tropa ocorre a olhos vistos, em contrapartida aos problemas da cidade, que crescem junto com o número de habitantes.

A situação da Polícia Civil não foge a essa realidade de precariedade. Os delegados de Anápolis são obrigados a cuidar de um Distrito Policial e também uma especializada, faltam adjuntos e plantonistas, além de um efetivo reduzido de agentes e escrivães. Isso representa atraso na elucidação de crimes. Em alguns casos de homicídio, quando se identifica o autor, ele também foi assassinado, acabando na extinção do processo. Normalmente, a roda da bandidagem gira bem mais rápida.

Os acertos de contas entre bandidos são ‘favorecidos’ em Anápolis também por outra situação, a falta de um estabelecimento penal para cumprimento do regime semiaberto. Esse tipo de condenação acaba sendo convertida em prisão domiciliar, mas não há servidores suficientes para vigiar o cumprimento de imposições como a permanência em casa no período da noite e em finais de semana, a proibição de frequentar locais como bares e a saída durante o dia somente para trabalhar.

Praticamente livres, eles acabam circulando pela cidade à vontade e a sensação de impunidade faz com que a reincidência seja estimulada. Não são raras as vezes que um ou outro acabe morto, ou cometa um homicídio, em acertos de contas de situações vivenciadas enquanto estavam presos, aguardando a sentença judicial. O presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, advogado Gilmar Alves, já afirmou que Anápolis é “desejada” por alguns réus que aguardam uma condenação no semiaberto, porque sabem que raramente vão ficar trancados em uma cela.

COBRANÇAS
Recentemente, o Governo de Goiás anunciou a realização de concursos públicos para a PM e Polícia Civil. Resta saber se Anápolis terá força política para exigir a vinda de homens e mulheres em número considerável para amenizar o déficit histórico no efetivo policial da cidade. A cidade é comando regional, no caso da Polícia Militar, o 3º CRPM, portanto precisa dividir efetivo com municípios próximos. A mesma coisa acontece com a Civil, no caso a 3ª DRPC. Resta a esperança de que o diretor geral da PC, delegado Álvaro Cássio, saiu de Anápolis e por isso conhece a situação periclitante da cidade em termos de segurança pública. Nesse caso, ele não deixaria seus antigos comandados desguarnecidos.

Apesar de constitucionalmente ser uma obrigação da União e Estado – esse segundo com a maior carga – a segurança também passou a ser alvo de ações das prefeituras. Em Anápolis, provavelmente, será um dos principais temas da campanha eleitoral. Os candidatos terão que apresentar soluções criativas para lidar, por exemplo, com o problema das drogas, combustível para a maioria dos crimes. Não adianta dizer apenas que o seu papel será de cobrar outras esferas de poder. A situação exige esforços de todos os detentores de cargo eletivo.

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