Home Editoriais Economia Cerâmicas da Vila Fabril vivem crise e podem deixar de existir

Indústrias antigas estão ameaçadas de fechar as portas depois da criação da APA do João Leite

ANA CLARA ITAGIBA

O setor de indústrias cerâmicas que atuam em Anápolis está passando por uma crise invisível aos olhos da população. É que aproximadamente 15 empresas poderão ser fechadas nos próximos meses, deixando cerca de 600 pessoas sem emprego.

O problema começou após a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Ribeirão João Leite, em 2010. Desse período até hoje, as empresas estão com muita dificuldade para renovar as licenças ambientais para a extração de argila. Só em Anápolis, já foram fechadas 11 cerâmicas, aumentando o número de desempregados no município.

Muitos desses funcionários, que são em sua maioria moradora da Vila Fabril, não possuem qualificação profissional para ingressar em outras frentes de trabalho. Isso acontece porque são pessoas que vieram de famílias da região e que trabalham no setor há décadas.

Além disso, outro problema que os empresários têm enfrentado é o alto custo da produção causado pelo aumento da energia elétrica e do transporte de argila que está sendo feito em longas distâncias. As cidades mais afetadas são Anápolis, Campo Limpo, Ouro Verde, Nerópolis, Terezópolis e Goianápolis.

José Adriano Ferreira é proprietário da Cerâmica Ferreira, que está na sua família há 25 anos. Ele contou que em 2010 buscava argila a R$ 220 e vendia o tijolo pronto a R$ 410. Neste ano, ele tem comprado a argila a R$ 520 e vendido o tijolo a R$ 280. “O custo ficou muito caro. Infelizmente não estamos dando conta nem de vender o produto para empatar o que está sendo gasto com ele. Tem uns parceiros fechando as portas e eu sou praticamente um deles. Se eu passar desse ano, vai ser muito, porque está difícil para nossa classe”, confessou o empresário.

De acordo com Ferreira, a argila que tem nas proximidades não é boa o suficiente e por isso é preciso fazer longas viagens para buscar a matéria-prima. “Estamos buscando barro depois de Petrolina e depois do Rabeia Bode. E não sou só eu, é qualquer cerâmica que você passar. Todos estão passando pelo mesmo sofrimento”, relatou.

As cerâmicas também estão sofrendo com a concorrência e o baixo custo do produto. “Vamos supor que eu vou por um tijolo a R$ 300 o milheiro. Há três ou quatro cerâmicas vendendo entre R$ 260 e R$ 270. Além disso, não está tendo a procura do produto. Então daqui uns dias a gente pode colocar o tijolo a R$ 100 que a gente não vai conseguir vender”, revelou.

Diante dessa realidade, há três anos foi criada a Associação das Indústrias Cerâmicas, com uma sede na Vila Fabril, para buscar forças e união entre as empresas que estão em atividade para evitar o fechamento em massa.

Segundo o presidente, Donizete Ferreira, a associação tem um projeto na área ambiental, que tem como objetivo buscar recursos para adquirir uma região e que seja construído um viveiro. A expectativa é conseguir uma parceria com os municípios que estão na região da APA do Ribeirão João Leite.

Essa é uma tentativa do grupo de diminuir o impacto da indústria no meio ambiente, e evitar que mais pessoas fiquem desempregadas. “Com o cultivo de mudas em alta escala, pretendemos fazer um trabalho de reflorestamento dessas áreas degradadas. Com esse trabalho esperamos recuperar nascentes e a mata que foram extintas na região”, explicou Donizete, que tem buscado ajuda no poder público, mas até agora não houve nenhuma resposta definitiva.

Alerta
No dia 14 de junho, o vereador Jean Carlos (PTB) usou a tribuna da Câmara Municipal de Anápolis para expor essa realidade. O vereador lembrou que as indústrias instaladas na Vila Fabril foram fundamentais para o desenvolvimento da região e disse ainda que ao todo são 38 indústrias paradas atualmente devido a falta do documento de licença ambiental.

O vereador disse em seu discurso que o Estado inibe a atividade econômica através da APA e impede o uso da região, algo que é garantido pela Constituição Federal. “Não se pode construir uma via ligando a Vila Jaiara à Fabril, porque esbarra na APA. Não podemos travar a mobilidade da região norte por uma questão como essa”, disse o parlamentar.

Associação
Além de discutir e lutar pela categoria dos trabalhadores de indústrias de cerâmicas, a associação tem como objetivo promover o lazer, a cultura, a capacitação profissional para os jovens que moram na Vila Fabril e ministrar palestras com o objetivo de melhorar cada vez mais a produção.

O primeiro pólo industrial de Anápolis

LUIZ EDUARDO ROSA

Uma pesquisa iniciada em 2010 levantou a memória e os aspectos históricos da Vila Fabril. O setor povoado a partir da década de 1930 já trazia em sua identidade um mundo fabril, onde as atividades industriais ladeavam as residências dos operários. Ligadas a um programa de pós-graduação da Unievangélica, as pesquisadoras doutoras Genilda D’Arc Bernardes e Giovana Galvão Tavares descreveram a dinâmica dos moradores e as atividades industriais no setor, a partir de documentos e relatos de moradores.

Os ricos depósitos de argila localizados na saída de Anápolis para Ouro Verde atraíram olarias para produção de cerâmica, levando fábricas e moradores a partir década de 1930 à região, surgindo assim a Vila Fabril. Além da instalação da indústria, moradias para os operários eram construídas nas proximidades, levando uma aproximação das relações de trabalho ao cotidiano das famílias de trabalhadores. Após as olarias na década de 1930, sucederam a vinda de indústrias de cerâmica e na década de 1950, os frigoríficos.

A indústria cerâmica e as olarias atenderam as novas formas de construir as casas e os edifícios, em materiais mais modernos a partir da década de 1940. “Neste sentido, a Vila Fabril serviu a construção de Goiânia e de Brasília com produtos que atendiam a demanda destas construções modernas nas capitais”, aponta Genilda. Na década de 1950 é constatada a vinda do frigorífico para o setor, dando a configuração das atividades com os três ramos industriais que são olaria, cerâmica e frigorífica. “Antes da chegada do frigorífico, o gado era abatido na Praça Americano do Brasil, na região central. Essas indústrias mudaram os hábitos na cidade”, explica Giovana.

Além das mudanças que as empresas na Vila Fabril geraram à cidade, as décadas áureas das indústrias no setor tiveram tensões entre trabalhadores e as direções das empresas. Eram conflitos de trabalho e paralisações gerados devido às horas excessivas de trabalho chegando a mais de oito por dia, salários baixos, trabalho infantil e acidentes no local de trabalho. As pesquisadoras constataram nas entrevistas com os moradores situações em que o próprio patrão revendia alimentos e produtos para o sustento das famílias de trabalhadores.

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