Home Editoriais Justiça Acordos não cumpridos fomentam judicialização, diz juiz Gleuton Brito

Ações judiciais por danos morais são cada vez mais comuns na Comarca de Anápolis. O principal conflito, que tem gerado as demandas nos tribunais, envolve empresas e consumidores

LUIZ EDUARDO ROSA

Ações judiciais por danos morais são cada vez mais comuns na Comarca de Anápolis. O principal conflito, que tem gerado as demandas nos tribunais, envolve empresas e consumidores. Apesar de haver um órgão específico de defesa do consumidor, o Procon, em muitos casos o acordo firmado na esfera administrativa não é cumprido, criando então o processo judicial. O titular do 1º Juizado Cível de Anápolis, juiz Gleuton Brito, em entrevista ao Canal Anápolis na segunda-feira (31), abordou como está o comportamento atual, tanto das vítimas como dos réus nestes processos.

Qual a definição para dano moral?
O dano moral se caracteriza por uma ação ou omissão de alguém, pessoa física ou jurídica, que causa uma lesão a outro de natureza não material. Aquele dano eminentemente à honra, à imagem e à intimidade, esse é o teor do dano moral.

Estas ações estão sendo banalizadas, ou seja, se recorre facilmente ao Judiciário?
Temos hoje no Brasil, um país em crescimento, um excesso de consumo. Seja em um edifício físico ou na estrutura virtual, comprar produtos duráveis e não duráveis, bens de qualquer natureza, vêm gerando uma demanda bem consumista. Ao adquirir um plano de telefonia, contratar serviços do sistema bancário ou ao comprar um veículo, verificamos se o consumidor sofreu uma lesão por parte do fornecedor ou prestador de serviço que lhe cause um gravame, uma efetiva lesão à sua honra, à sua imagem e à sua intimidade. Neste campo temos que observar se ele levou o consumidor a peregrinar, ou seja, se levou a vítima deixar seu horário de trabalho e seus afazeres importantes para resolver o problema gerado pelo fornecedor.

Quais casos são mais típicos em Anápolis?
Via de regra as empresas de telefonia têm sido acionadas nos juizados, como também instituições bancárias e em outros casos revendedoras de veículos, concessionárias do serviço público [fornecimento de água e luz] e mais algumas empresas de médio porte que não zelam pelo cumprimento da lei de consumo, fazendo com que o cliente venha a procurar no Judiciário o seu resguardo, o que deveria ser o seu direito primário.

Há uma credibilidade maior no Judiciário em relação a outras instituições, por isso ele é mais acionado?
A questão na verdade não é a credibilidade, é porque o Poder Judiciário é quem dá a última palavra nas relações contratuais ou extracontratuais, no Brasil e no Mundo. O Judiciário diz o sim ou o não, se o consumidor está correto ou errado. Muitas vezes o consumidor vai ao Procon e tem um sucesso em sua causa, ele ganha a demanda junto ao órgão administrativo. Só que muitas vezes, o réu ou o prestador de serviço não cumpre aquilo que foi acordado no Procon e isso exige do consumidor que venha ao Judiciário.

Há um costume de não se respeitar contratos?
Precisamos fomentar a cultura no povo brasileiro e, sobretudo, nas empresas que atuam no mercado de massa, para que respeitem as decisões dos órgãos administrativos, para que atentem para a imprescindibilidade destes nos dias atuais e, sobretudo, na construção de um país verdadeiramente forte, democrático e solidário. Sendo assim, o Judiciário poderia ficar com o trabalho de resolver aquelas questões cujas soluções extrajudiciais não foram suficientes nos órgãos administrativos. O Judiciário tem sido a última trincheira que o povo brasileiro utiliza diante do descumprimento de muitas determinações administrativas de outros órgãos. Com isso, a judicialização deixa de ser a última opção para ser a primeira. Muitas vezes a população aciona diretamente o Judiciário, isso causa um abarrotamento e um estrangulamento em todos os sentidos nos juizados da Vara Estadual, que é aquela que lida com problemas próprios da vida em sociedade. Temos que trabalhar em conjunto com a sociedade brasileira para que haja mais respeito do fornecedor com o consumidor e uma lógica de bom senso do consumidor na sua atuação. Percebemos também por parte dos consumidores que vêm à Justiça, que estão atrás de determinado direito que não é dessa natureza, ingressando em “aventuras judiciais” demandando o tempo do processo, gastando o erário público; por fim, consumindo o tempo de escrivães, assistentes e juízes.

Em média qual a quantidade e a duração destes processos?
Voltados ao consumo, o 1º Juizado Cível da Comarca de Anápolis tem 3,3 mil processos em andamento. A média de entrada de processos por mês neste juizado varia entre 310 e 390. A gente trabalha com uma carga extremamente elevada diariamente para ver se consegue não deixar que haja o represamento, ou o grande acúmulo. A média de duração do processo aqui no 1° Juizado Cível é de 11 a 13 meses. No semestre, em cada juizado entra algo em torno de 1,8 mil processos e o número dos que são julgados deve ficar em torno de 1,2 mil a 1,4 mil processos, ou seja, costumeiramente há um déficit [de pessoas] e um acúmulo de processos.

Há consumidores que usam de má fé para produzir um fato contra um fornecedor?
Quando o juiz parte para a colheita do que se debruça na sua frente, ele separa o joio do trigo. Não se pode dizer que todos os consumidores que batem à porta da Justiça têm direito; também não se pode dizer que todos aqueles que vêm ao Judiciário tem razão. Vemos muitas vezes consumidores agindo de má fé, cabe ao juiz ter discernimento, coragem, entendimento e, sobretudo, prudência para afastar aqueles que têm razão e os que não têm.

Tanto pessoas jurídicas, quando físicas são envolvidas em ações de danos morais?
Os entes que não podem fazer parte do Juizado são aqueles elencados no artigo 8°, como o réu em outro processo na Justiça, o réu preso, o incapaz e órgãos públicos. Podem ser partes pessoa física (PF) contra pessoa física, PF contra Pessoa Jurídica (PJ), PJ contra PF e PJ contra PJ. Entre as pessoas jurídicas que entram uma contra a outra são somente as PJs de pequeno porte e as microempresas. Quando as duas partes são PFs são casos como acidentes de trânsito, cobranças de dívidas, cheques emitidos sem fundo e uma série de outros conflitos que surgem no dia a dia.

Em relação aos valores alcançados nas sentenças por parte das vítimas, de que forma é arbitrada?
O teto dos juizados cíveis é de 40 salários mínimos, mas nos casos das indenizações o juiz leva em consideração o réu e o autor, a sua capacidade econômica e poderio financeiro. Enfim, avaliamos aspectos como o quantitativo de lesão, o prejuízo moral, o efetivo gerado, as circunstâncias do caso concreto, eventual reincidência daquele réu sujeito ao pagamento e uma série de outras situações. A partir destes aspectos o juiz analisa para saber se é preciso uma indenização menor ou maior. O teto para indenização é de até 40 salários mínimos, porém não temos uma legislação que tabela para um dano um determinado valor.

O acordo entre as partes é comum nestes processos?
Nos juizados cíveis, temos uma vantagem pela lei, que é obrigatório a audiência de conciliação no início de processo, ou seja, toda a ação que chega ao Juizado obrigatoriamente passa por audiência de conciliação. Caso se consiga o acordo na audiência, o juiz já encerra o processo e homologa. Caso não consiga, parte para a instrução e o juiz lança a sentença resolvendo a questão. Nós temos percebido muitas vezes uma variação de acordos nos juizados de Anápolis. Depende muito do comportamento do réu, por exemplo, tem empresas de telefonia com mais facilidade de fazer acordos que outras; ou alguns bancos mais que outros. A maior parte dos casos não termina em acordo, sobra muito para ser ajuizado. Antigamente o acordo já foi maior em quantidade e atualmente não, principalmente nos últimos cinco anos.

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