Home Editoriais Cidades Agricultores vão ajudar na recuperação da bacia do Ribeirão Piancó

Calcula-se que pelo menos 100 motores puxem água do leito do ribeirão para irrigar plantações. A Saneago retira água para consumo de 80% da cidade também do Piancó

MARCOS VIEIRA

A Bacia Hidrográfica do Ribeirão Piancó, localizada na região noroeste de Anápolis, há décadas serve para irrigar plantações e para garantir cerca de 80% do abastecimento público de água da cidade. As duas missões, com o crescimento considerável da população nos últimos anos, se tornaram incompatíveis e ameaçam um futuro com cada vez mais torneiras secas no município.

Os agricultores do Ribeirão Piancó produzem legumes, hortaliças e frutas. Calcula-se que pelo menos 100 motores estejam em funcionamento ao longo do leito do ribeirão, retirando água para irrigar essas plantações. Anápolis não tem qualquer tipo de reservatório de grande porte. A Saneago retira água para tratamento também diretamente do Piancó.

Em anos anteriores, a estiagem em alguns momentos aumentou o consumo de água na cidade, obrigando que a Saneago produzisse mais água tratada. Os irrigantes, também funcionando na sua capacidade máxima no Piancó, não permitiam que mais bombas de captação fossem ligadas. Esse é só um dos exemplos da incompatibilidade de se utilizar uma única bacia hidrográfica para duas atividades de peso.

Outra questão levantada: a utilização de agrotóxicos nas lavouras prejudica a qualidade da água do Piancó. Estudo dos professores Lázaro Ferreira Santos, Geraldo Resende Boaventura e Leonardo Odair Sanches Borges mostra isso: depois de várias coletas em diferentes pontos do ribeirão, na estiagem e na época chuvosa – verificou a presença de substância característica de defensores agrícolas e fertilizantes.

Encontro
Para tentar preservar a principal fonte de água de Anápolis, sem criar um problema social a partir da eventual proibição de atividades agrícolas na bacia hidrográfica, o Ministério Público tem articulado encontros com órgãos públicos e produtores da região. O último deles foi na quarta-feira (2), na Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, no povoado de Miranápolis.

A promotora de Justiça Sandra Mara Garbelini defendeu o melhoramento ambiental da região, justamente para garantir a qualidade da água captada pela Saneago para a população anapolina, sem com isso prejudicar a atividade agrícola típica da região.
Sandra Mara disse que é preciso aumentar a qualidade e quantidade da água oferecida pelo Piancó. Segundo ela, é necessário desenvolver um projeto de cercamento de nascentes, melhoramento do solo, melhoramento da produção e assistência técnica ao produtor rural. “O produtor é a peça chave, pois se ele não tiver uma postura visando a conservação das nascentes e matas ciliares, a água só vai diminuir”, destacou a promotora.

E para esse assessoramento técnico, o MP convidou para o encontro a Emater, representada pelo assessor da diretoria Joaquim Gomide. Segundo ele, há um grande apelo para se resolver o problema ambiental, mas pouca coisa se fala em relação ao problema do produtor. “E se eu cuido do ambiente, mas não cuido das pessoas, elas vão lá e destroem o ambiente”, frisou o técnico.

A ideia é dar suporte aos agricultores para que eles produzam mais com menos água. A Emater tentará transformar as propriedades em empresas, com gestões da produção, mercadológica, social, de pessoas e ambiental. Para isso, todos os produtores serão visitados e será levantado o potencial de cada área.

Joaquim Gomide explicou que a proposta é que haja um técnico agrícola para cada grupo de 15 produtores rurais. Esse profissional ajudará cada um ter mais renda, inclusive para pagar sua assessoria no futuro. “O produtor não pode ficar dependendo de governo. O governo apoia, mas quem faz as coisas é a sociedade. É preciso independência”, destacou Gomide.

Ceticismo
A representante dos produtores rurais Amélia Mendes prometeu participar das reuniões e debater propostas, mas se mostrou cética em relação a projetos que resolvam de vez o impasse de uma única fonte de água para agricultura e para abastecer a cidade. “Se tirar todos os produtores rurais da região do Piancó, continuará faltando água em Anápolis”, opinou. Segundo ela, a Saneago precisa buscar outro ponto de captação.

A gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, defendeu que todos tem sua parcela de responsabilidade na recuperação da Bacia do Piancó. Para ela, só as parcerias vão dirimir a disputa entre abastecimento público e produtor rural. Tânia comentou que o Piancó é o grande sistema de abastecimento de Anápolis para os próximos 30 anos. Em menor grau, aparecem as bacias do Anicuns e do Capivari.

Repercussão
A reunião com produtores da Bacia do Piancó repercutiu na sessão de quinta-feira (3) da Câmara Municipal. Os vereadores Wilmar Silvestre (PT), Eli Rosa (PMDB) e Jerry Cabeleireiro (PSC) falaram sobre o assunto.

Wilmar Silvestre disse que ficou surpreso com o interesse dos produtores rurais em colaborar com a preservação das fontes de água. “Todos estão interessados em resolver o problema”, disse. Para o petista, a maior responsabilidade é da Saneago. “Ela leva cerca de R$ 7 milhões todos os meses de Anápolis, mas não percebemos o retorno”.

Eli Rosa lamentou o baixo investimento feito pelo governo estadual para construção de curvas de nível na região, evitando que substâncias utilizadas nas plantações chegassem ao leito do ribeirão. “Tenho convicção que a Saneago vai retomar a conclusão deste projeto”.

Jerry Cabeleireiro ressaltou que as famílias que têm propriedades ao longo da margem do Piancó estão ali há décadas e não podem ser responsabilizadas sozinhas pela preservação do Piancó. “É evidente que precisamos garantir água para o consumo das pessoas, mas também assegurar condições de trabalho para aquele povo que produz o alimento que chega à nossa mesa”.

O vereador do PSC lamentou que o projeto de conservação do Piancó, iniciado em 2006, tenha perdido força. “Também temos que pensar na construção de um reservatório. Sabemos que este tipo de obra traz impacto ambiental, mas que obra não traz impacto nos dias de hoje? Não podemos ficar de braços cruzados. Alguma coisa precisa ser feita”, completou.

Seis foram indiciados por crimes ambientais

Em maio desse ano, seis proprietários rurais de Anápolis foram indiciados pela Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema), acusados de terem cometido diversos crimes ambientais contra o Ribeirão Piancó. Foi o resultado de uma operação realizada por dois meses na cidade, que consistiu na vistoria de 25 nascentes do curso d’água.

Os crimes identificados pela Dema foram desmatamento, presença de gado em região de nascentes e o desvio da água de nascentes que ajudam a formar o Piancó. De acordo com o titular da Dema, delegado Luziano de Carvalho, em entrevista ao JE na época, o Ribeirão Piancó é composto por 91 nascentes e apenas uma havia sido recuperada por proprietários rurais.

No caso dessa nascente recuperada, o delegado frisou que isso não significa preservação. “De repente um produtor vai ali e faz o desvio de todo o curso d’água, ou seja, deixa de existir essa nascente para abastecimento público. Isso porque há vários desvios para regos particulares, que o gado vai pisoteando ou a água vai para represas. No final ela não retorna para ajudar a compor o Ribeirão Piancó”, disse Luziano.

Em um dos desvios encontrados pela Dema, o rego que retirava a água da nascente tinha 2,3 quilômetros. “Imagina isso passando pela pastagem, em um lugar que não tem mata nenhuma? Há uma perda muito grande, pois acontece a evaporação e a absorção do solo. Acaba que essa água não volta para o seu curso normal”, reforçou Luziano Carvalho.

O delegado constatou também que havia fazendeiros desviando o curso d’água para construção de tanques, voltados para criação de peixes. “Uma propriedade tinha 13 tanques. Essa água não pode simplesmente voltar para o Ribeirão Piancó sem receber um tratamento. Ou seja, além de ter um volume bem menor da vazão que chegaria ao leito do rio, temos uma água inadequada”, explicou.

Em outra fazenda, o proprietário construiu nove represas com a água das nascentes afluentes do Ribeirão Piancó, o que deixou o delegado ainda mais alarmado com a situação. “O dono me disse que fez as lagoas para lazer. Ora, porque não fez apenas uma então?”, relata. “Então existem essas situações que devem ser combatidas e os proprietários orientados ao correto manejo e consequências desses atos”, completou Luziano Carvalho.

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