Não é desobediência. É a precisão

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IRON JUNQUEIRA

Todo mundo preocupado com a devastação das vidas de jovens consumidas ou desfeitas pelas drogas…

Há quem se preocupe com razão quanto ao tráfico de drogas espalhando mortes nos morros, nos bairros ricos, às balas perdidas ceifando vidas de quem vai ou vem à escola…

Porque os jovens tanto atacam lojas, pessoas, mulheres, crianças, velhos e incautos?

Porque eles agem com tão desnorteadas atitudes? Será o que lhes falta?

Aumentar a maioridade penal ou alongar a penalidade? Dos nove aos 18 anos, eles já estão dispostos a levar a vida que escolheram.

Será o que lhes falta para terem compostura, respeito, calma, paz? O que está lhes faltando?

Governo. Mas governo que faça por eles.

Qual o jovem ou adolescente que, levantando de manhã, pensa no desafio do dia, e não se revolta, por lhe faltar a comida que a mãe ou o pai não conseguiram conquistar com as mãos limpas!

— Mãe, o que vamos comer?

— Vamos esperar o que seu pai consegue hoje…

— Mãe, eu posso engraxar? Ganho trocados engraxando…

— Na sua idade filho, a lei diz que você tem que desfrutar sua infância, fazer o que gosta.

— Eu gosto é de trabalhar, ajudar a senhora, limpar o quintal da dona Francisca; um dia só porque varri o quintal dela, ganhei um prato de comida…

— Mas, agora, não pode… — Interveio a mãe.

— Roubar uma bicicleta velha, pode?

— Não, isso é crime.

— Mas, mãe, nós precisamos de comida: pra senhora, pro meu pai, minha irmã, pro maninho.

— Meu filho, — tenta o pai explicar — eu não tenho emprego, ninguém me paga 70 reais pra lavar carro, cuidar de um jardim. A gente vai se oferecer para algum serviço, toda gente nos olha com desconfiança, e se explico que estou pedindo trabalho porque tenho que levar nem que seja pão velho pros meus filhos… — Sabem o que dizem?

— Quer trabalhar nada! Quer é beber…

— Encontro meu filho na rua procurando algo com que se alimentar, e eu o oriento: não vai fazer besteira, não roube nem vire aviãozinho levando drogas para traficante…

— Com a fome que estou, topo o que aparecer.

— Não, filho, vamos pra casa… Tem espigas de milho que ganhei ontem, quem sabe faço bolinhos fritos.

— Mãe, não é teimosia. É precisão! Olha a senhora, não sorri mais, a Belinha, minha irmã, está cada vez mais desnutrida, meu mano maior revoltado, querendo juntar-se com meninos maus. Por que o Governo não nos deixa trabalhar em vez de entregar ou usar crack?Por que não faz funcionar de novo a minha escola? Lá nós “tinha” o que merendar… Não é malandragem, mãe… É precisão.

O dia passa um pouco mais e o garoto sumiu na rua com a Belinha, o maninho maior se juntou com um delinquente infantil. Ninguém foi à escola porque a escola não funciona mais. Os professores estão em greve, ninguém dá servicinho nem a preço de um real.

O casal de crianças irmãs, debruçadas à calçada, chora, fala, chama a atenção de alguém que passa.

— Moça, eu quero arroz. Eu e meu irmão.

Quem irá desacreditar de dois maninhos desidratados olhos molhados e sujos da poeira da rua, da poeira das mãozinhas?

E os leva para sua casa e lhes dá o de comer. E os convida para frequentar sua casa, toda vez que tiverem fome.

E o pai? A mãe? Eles estão fazendo bicos, limpando caixa de esgoto, carregando sacos de cimento, comendo por lá mesmo o que lhes derem em troca de tanto esforço para um corpo marcado pela miséria.

A mãe servindo de diarista para alguém que, ao final do dia, lhe dará uns trocados ou um vestido velho ou camisa surrada.

E o adolescente?

Pelas ruas. Nunca foi vadio. É a precisão…

Lá em cima planando no céu azul, grandes aeronaves particulares ou de empresas aterrissam no aeroporto ou zarpam para países ricos ou luxuosas fazendas, em direção a ricas mansões nas imediações de praias, de mansões pomposas onde a luxúria e as mulheres fazem a festa dos corruptos com o dinheiro do operário, da mão esfolada de trabalhar e com os filhos sem escola, sem comida, na vulnerabilidade, sem saúde, sem as ações sociais tão prometidas.

O povo grita. Os corruptos são insensíveis. Confundem os gemidos de fome com os gemidos de cães nas ruas…

O povo quer justiça. Libertam os chefes dos bandidos.

O povo quer segurança. Os bandidos dizimam os policiais e, estes, ao invés de prendê-los, perdem tempo procurando-os para retaliações e vinganças.

O gestor da cidade diz:

— O que estão fazendo aqueles moleques andando de turma? Será que irão assaltar o povo?

E o funcionário público, o conselheiro Tutelar ou de Direito explica:

— Não excelência. São meninos aplicados esperando acabar a greve…

— Por que não vão para as suas casas?

E o funcionário público, fecha o diálogo:

— Ah, eles ficarão aqui, seu prefeito.

— Por quê?

— Não é desobediência. É a precisão, a necessidade, a fome, o abandono, a falta de humanidade, de sentimento…

E meio bravo, o gestor:

— Por que eles não tomam uma atitude?

— O governo, senhor.

— O que tem o governo?

— É o que não toma atitude. E se o povo for reagir, apanha.

— Apanha, por quê?

— O governo o desarmou, e só anda de cassetete na mão.

O chefe público sai pensativo, e o funcionário, sussurra baixinho:

— Deus: se não fosse a Sua ordem maior, a de amar, esquecer e perdoar…

E o Senhor relevasse nosso pecado e fechasse os olhos um minutinho e nos permitisse sem castigo dizimar os corruptos do orbe, isentos da Lei de Causa e Efeito, em fração de um minuto, não ficaria um só ratinho pro Walt Disney contar história…

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