Home Geral Um amor sem limites | por Iron Junqueira

O Amor tem complexidade que somente ele poderá explicar. Conheci a história de Merle Fontes, esposa de famoso médico muito estimado na sociedade, devido ao seu talento profissional e forte influência nos meios intelectuais, especificamente, científicos.

A esposa de tão benquisto cidadão frequentava um grupo de intelectuais e ficou profundamente apaixonada por um senhor igualmente estimado na cidade, e trabalhador em um jornal de circulação nacional. Mas era tal a fixação dela sobre o escritor que mal controlava seus impulsos. Tinha que vê-lo todo dia e, às vezes, falar com ele, ajudá-lo nalgum quefazer, enfim, ficar perto dele era a sua maior ansiedade. E para tanto, não lhe faltava pretexto para visitá-lo em sua casa, contar-lhe alguma novidade e, assim, aproximar-se também de sua esposa, Dona Olga, a quem ela induzia para alguma tarefa filantrópica no sentido de estar sempre próximo dele, ou saber novidades sobre ele. Um dia Merle viu seu amado conversar com uma escritora, amiga dele, Afonso e Olga, e não suportou o ciúme de que foi tomada indo à presença da esposa dele, dizendo-lhe, em desespero: –– Mas Olga, você permite que os dois conversem tanto, assim? E da sala de estar pela janela apontava o casal amigo que andava pelo pátio. ––Olha! Dizia. Não lhe incomoda a amizade deles? Já percebeu o quanto ela é linda e ele, atraente? Vai lá e o chame! Ou quer que eu o busque para você? Ao que a esposa de Afonso explicava: –– Merle, minha querida: os dois são poetas trabalham na mesma área, discutem assuntos que só a eles interessam, são grandes amigos e pessoas afins. A mim não me agradam seus temas e assuntos. A amizade deles me gratifica porque ambas são pessoas de quem gosto e que me aprazem. Um dia ela foi à casa do pai de Afonso, em outra cidade. Disse ao Sr. Sebastião que era uma amiga de Afonso, e que fora ali para conhecê-lo. Ao que o genitor do orientador do grupo de estudiosos, sistemático, sério e esperto, lhe respondeu: “––Não, minha filha. Você não veio me visitar. Veio conhecer o pai do Afonso. Conheceu. Agora, boa tarde, volte na paz de Deus”. A estranha mulher retornava à sua cidade por uma estrada mais segura, pensando no que fazer para ganhara intimidade da família de Afonso. Em sua cidade, dias depois, espalhou cartas anônimas com caligrafias simuladas e as distribuiu para todos os maridos das amigas de Afonso dizendo que ele mantinha estreitas relações amorosas com elas. “Assim, eles as afastarão dele!” Concebia Merle. Mas Afonso, informado de tudo, pegou as cartas que Merle havia distribuído e as entregou (xerocopiadas) ao advogado, grafotécnico, que deslindou o truque da senhora Merle com o seu parecer. Foi aí que o líder do grupo de intelectuais entregou comprovantes ao Dr. Fontes, célebre médico, pedindo-lhe: “––Me desculpe, doutor, mas vim lhe trazer comprovantes, lícitos, de que sua esposa está gravemente enferma. Eis! E entregou-lhe as provas. Peço-lhe cuidar da saúde dela, com urgência”. O que o marido de Merle o fez, e ela ia e vinha para a cidade em tratamento especial. Numa dessas viagens, ela foi vítima de um acidente com outro carro e veio a óbito. Algum tempo depois, duas de suas colegas de grupo compareceram a uma das habituais reuniões e conversaram com o amigo Afonso: –– Sumimos, hein, amigo? Mas enquanto aquela amiga nossa permanecesse fazendo tanta maldade conosco, resolvemos afastar de tudo, infelizmente, até das nossas reuniões que tão bem nos faziam. Mas dez anos depois, resolvemos voltar, porque precisamos da ajuda de todos, aqui. Pensativo, o orientador disse: ––Sejam bem-vindas. Ambas se mostravam enfermas, uma delas cadeirante e a outra com problemas psíquicos. –– Viemos saber se os senhores nos ajudam? –– Tudo o que estiver ao nosso alcance, faremos. Mas posso lhes dizer uma verdade? Indagou Afonso. –– Antes que me digam algo, preciso lhes adiantar que vocês deviam ter ajudado a irmã Merle, ao invés de se afastarem dela. Era uma necessitada. Doente de amor. Não postergava mal para ninguém! –– Mas, e o que ela fez conosco? Espalhou cartas nos difamando! E a gente devia, ainda, vir aqui? –– Sim, porque a enferma era ela. Não as senhoras. Ela carecia de suas atenções, companhias e amizades, quem sabe, até, de orientações. Fez a trama das cartas, deveu-se ao fato de ter se sentido abandonada, desprezada e cruelmente isolada das únicas pessoas que podiam socorrê-la. Vocês duas, a pretexto de vítimas, se afastaram do trabalho de ajudar ao próximo: e o próximo mais próximo de vocês era ela.

As mulheres se calaram, pensativas, se entreolharam, preocupadas, enquanto ainda escutava o amigo dizer: –– O que mesmo as irmãs queriam conversar comigo? –– Não, pode deixar… –– exclamou a cadeirante, semblante sorumbático. Assim também sua colega, em silêncio refletivo. Até que esta falou: –– Pensamos em lhe perguntar se Deus nos livrará das expiações porque ora passamos…

–– Por que não? Todos nós erramos. Mas lembrem-se da parábola do Trabalhador de Última hora… Aqueles que chegaram à gleba bem mais tarde que os demais, porém, se boa era sua intenção; se trabalharam, com afinco, e demonstraram rendimento, o Dono da lavoura não lhes recompensou do mesmo tanto que pagou àqueles que chegaram cedo? Sou Eu o dono da gleba, pago o que quero, a quem fizer por merecer…

–– Então Rosalina, disse uma delas à outra, ainda nos resta esperança. Ele nos acordou em tempo. Sempre é momento de acertar. Despedindo-se das amigas com um gesto afável cortando o ar, Afonso arrematou: É isso.

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