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Assim se denomina o conjunto de parlamentares em todos os níveis que se juntam em volta do fisiologismo político

Publicado: 05.06.2023

Foto: Arquivo

Superado o calor do embate eleitoral, as urnas definem a cada parte envolvida seu papel na história. Aos vencedores, o direito e a obrigação de governar para todos. Aos vencidos, a obrigação de fiscalizar. Neste cenário era de se imaginar que o debate político nacional se desse em torno dos dois grupos ideológicos que polarizam a discussão política. Todavia, os fatos recentes nos mostram outro cenário. A grande dificuldade do governo Lula no debate junto ao Congresso Nacional, aponta que o grande entrave à governabilidade não é imposto pela direita bolsonarista, embora esteja presente em grande número entre deputados federais, senadores bem como nas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais Brasil à fora. Trata-se do famigerado “Centrão”. Assim se denomina o conjunto de parlamentares em todos os níveis que se juntam em volta do fisiologismo político. O comportamento predatório desse grupo político tem se fortalecido cada vez mais a ponto de não só colocar em dificuldade as ações do Poder Executivo mas a própria governabilidade.

Antes, o Centrão se contentava com participação no governo por meio de cargos, em quantidade claro, mas essencialmente com poder de decisão. Hoje, não mais, além da exigência por loteamento dos governos, considera legítima a apropriação de fatia do orçamento público, esse de responsabilidade e competência do Poder Executivo.

No início, eram apresentadas emendas ao orçamento. Depois, essas emendas se tornaram “impositivas”, lembrando que tal prática se alastra pelos quatro cantos do país em todas as casas legislativas. Entretanto, a situação se agrava a cada dia. Hoje, não satisfeitos com seus cargos e suas emendas, querem abocanhar com autonomia a fatia do orçamento que considera sua, sob o nome popular de “orçamento secreto” que para ganhar maquiagem de legalidade e moralidade, passa a assinar sob a rubrica de “Emendas do Relator”.

Esse fato é gravíssimo, pois desvirtua totalmente o Poder Legislativo da sua essência estabelecida na Teoria da Tripartição dos Poderes estabelecida por Montesquieu na França no Sec. XVIII, onde ao Poder Legislativo caberia dentro de suas funções chamadas típicas, a responsabilidade por legislar e fiscalizar, além da própria função política de dar voz e vez àqueles que não tem.

É notório que o demais Poderes da República também tem se desvirtuado de suas funções, mas aqui me preocupa as consequências do enfraquecimento do Poder Legislativo e quais as consequências desse fato para o funcionamento pleno e adequado dos demais Poderes.

Quando se fala da Teoria dos Freios e Contrapesos, é exatamente disso que estamos falando, ou seja, como se dá a relação direta entre os três Poderes, para que todos funcionem plena e harmonicamente em benefício e em defesa do estado democrático de direito.

A título de exemplo podemos citar o estado de Goiás, que possui, 17 (dezessete) deputados federais, 03 (três) senadores da república, além de 41 (quarenta e um) deputados estaduais e centenas de vereadores espalhados por Câmaras Municipais nos 246 (duzentos e quarenta e seis) municípios goianos.

É no âmbito do Congresso Nacional que se tem a oportunidade para o debate dos grandes temas nacionais. No entanto, são raríssimas as vezes que algum parlamentar goiano se dirige a tribuna para discursar com propriedade sobre algum tema de relevância nacional, não é só isso, pouquíssimas vezes conseguem espaço para participar de alguma das Comissões Temáticas ou Especiais da Casa. Mas o senso comum da sociedade não percebe esse cenário, afinal de contas o bom parlamentar é justamente aquele que consegue carrear verbas para os pobres municípios, independente do custo benefício que venha embutido.

No Senado Federal, a situação não é diferente, além de não possuirmos nenhum parlamentar que se destaque pelo brilho, temos que nos contentar com figuras caricatas, que envergonham o povo e a memória de parlamentares brilhantes que no passado já representaram nosso estado, na Câmara Alta, outrora Casa de Rui Barbosa.

A realidade das Assembleias Legislativas é ainda mais preocupante, servindo de argumento para os críticos especialmente em relação ao que de fato produzem e quanto custam para a sociedade. Do ponto de vista legislativo, os parlamentares estaduais praticamente vivem engessados por conta do limite constitucional, dessa forma sua sobrevivência política na maioria dos casos se resume ao assistencialismo puro, dessa forma não justificando, mas apenas explicando os adesismos de primeira hora. A maioria dos deputados simplesmente não consegue exercer seus mandatos longe do abraço caloroso dos governos estaduais, nesse sentido atuam praticamente em concorrência com as Câmaras Municipais sediadas nas capitais.

Diante desse quadro, o que podemos cobrar ou esperar dos ilustres parlamentares municipais sendo eles os agentes políticos mais próximos do povo? Essa é uma pergunta de difícil resposta, uma vez que o funil da constitucionalidade nesse caso é ainda mais apertado. Além disso, a cobrança da sociedade por obras e benefícios recai primeiramente sobre seus ombros, onde muitas vezes o povo espera do seu vereador a solução imediata de demandas que são de responsabilidade direta do prefeito municipal. Nesse cenário também não lhes resta outra alternativa a não ser se vestirem de assistentes sociais na tentativa de mostrar algum serviço à população.

Enfim, essa é a realidade política a qual estamos submetidos, pelo menos no âmbito do Poder Legislativo. Sem dúvida, são distorções graves que precisam ser corrigidas o quanto antes. Contudo, é possível que a necessária correção não parta do próprio Poder Legislativo, como deveria.

À medida que esse quadro compromete a governabilidade, será necessário a meu ver, o envolvimento dos demais Poderes da República, buscando uma espécie de repactuação de funções.

Neste sentido, vejo na figura emblemática do Presidente Lula a peça central capaz de dar a partida nesse processo.

Lula não é um neófito em política, pelo contrário, sua biografia o coloca como uma das pessoas mais qualificadas para o enfrentamento político da questão nesse momento. Pois chegou em duas oportunidades a presidência da república exatamente por sua bagagem junto ao movimento sindical e sua militância político partidária, e é essa experiência que o credencia a fazer o enfrentamento necessário ao corporativismo cristalizado no parlamento brasileiro. Outros presidentes já tentaram e não obtiveram êxito, outros tentaram e caíram pelo caminho. Mas o fato é que chegamos nessa situação porque na maioria das vezes o poder executivo em todos os níveis escondeu-se na sombra da acomodação política, mesmo que isso custasse muito caro ao país.

Sendo assim, nesse momento, mesmo que por ingenuidade da minha parte, penso chegar a hora do enfrentamento necessário ao restabelecimento da boa relação entre os poderes da república, para que convivam de forma harmônica e independente como prescreve o texto constitucional pois é disso que depende a sobrevivência da nossa jovem e promissora república, a qual fora proclamada sob os anseios de busca por uma verdadeira e plena democracia.

 

Sírio Miguel R. da Silva, economista, advogado, Mestrando em Ciências Humanas e Sociais no Programa Teccer UEG, Ex vereador por dois mandatos e Ex Presidente da Câmara Municipal de Anápolis.

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