Home Geral Quando a “lei da selva” assusta | por Letícia Jury

É muito comum acontecer algo com alguém e soltarmos a pérola: “ah, se fosse comigo, eu matava” ou “se fosse com um filho meu, ia ver”. Esta é a famosa ‘lei da selva’ ou seja, fazer justiça com as próprias mãos. No entanto, nos últimos meses esta lei tem sido midiatizada, assustando muita gente! Vamos aos fatos: a história do garoto que roubou a bicicleta e como punição teve a testa tatuada: “eu sou ladrão e vacilão”. Esta para mim foi o melhor exemplo de misto de justiça, impunidade, susto, revolta (de ambos os lados), dentre outros aspectos.

Mas vamos aos fatos! Primeiro: o garoto é mesmo autor de um crime. No entanto, conforme parte da opinião pública, ele deveria ter sido preso e não torturado. O que revoltou na história? Muita coisa: o autor da tatuagem, que teria feito a ‘justiça com as próprias mãos’ foi punido, enquanto o autor do furto, não. Além disso, muitos ficaram revoltados com a “vaquinha” (arrecadação de dinheiro) pela internet para a retirada da tatuagem, como se quem doou dinheiro fosse favorável a práticas criminosas.

Do outro lado, aqueles que ficaram revoltados com a selvageria da tatuagem em si! Em síntese, a lei da selva, do toma lá dá cá deixou todo mundo atônito e com opiniões divergentes. Os familiares do garoto (vítima ou vilão?) declararam que ele é um ótimo menino, o problema é um só: a droga. O tio chegou a dizer que ele nunca fez mal a ninguém. Mas furtar a bicicleta de quem trabalhou para comprar não é uma maldade? Conceitos e preconceito a parte, vamos analisar apenas o lado da selvageria que deixou todos assustados! Mas não é uma selvageria que todo mundo prega? A famosa Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”?

Outro momento em que a Lei da Selva midiatizada assustou: o ator Fábio Assunção ter sido filmado em momento de pura embriaguês e fúria contra policiais. Esta filmagem não é algo que foi veiculado apenas em canais de televisão em horários determinados, ela foi amplamente compartilhada por milhares de usuários de redes sociais em todo país. Voltamos ao início do artigo, é a lei da selva, “caiu na rede, é peixe”. Quais foram os objetivos da gravação? Fazer com que as pessoas saibam que dirigir embriagado pode matar pessoas inocentes, independente do condutor ser famoso ou não? E quem comete este crime deve ser constrangido, avacalhado, ridicularizado?

Como resultado desta conduta (a gravação do vídeo), milhões de internautas ‘queimaram’ o ator sem dó, enquanto parte se estremeceu, ficou chocada, e escreveu textão na rede sobre a falta de respeito, sobre “quem nunca bebeu em excesso que jogue a primeira pedra” e começaram inclusive a questionar sobre a superexposição da vida privada de forma descontrolada pelas mídias sociais. Mais uma vez: o assombro causado pela selvageria! E a confusão foi geral, os papéis se inverteram: o ator é vilão ou mocinho?

O que estes e muitos outros casos, que estão aí na imprensa, as claras, ou nas redes sociais, durante 24 horas, nos mostram? Que estamos perdendo a referência em um mundo de tecnologização. As pessoas estão parando em acidentes, não mais para socorrer as vítimas, mas para fazer self ou compartilhar a tragédia alheia. A vida se não for fotografada, ela não existe.

Na última viagem que fizemos, fiquei assustada quando depois de uma longa jornada para chegar aos pés do Cristo Redentor, as pessoas só tiravam fotos. Elas não observavam a beleza histórica daquele monumento, elas não olhavam para aquela belíssima imagem da cidade maravilhosa, vista do topo do Morro do Corcovado. Elas apenas faziam selfs. Foi então, que falei com a minha filha Ana Luíza, de sete anos, da importância daquele momento, da necessidade de ficarmos em silêncio e fazermos uma oração. De contemplarmos o belo e não midiatizarmos o belo! Não precisamos de fotos, temos lembranças de um dia maravilhoso e de um passeio inesquecível.

É isto que precisamos fazer. Não podemos viver no mundo da selva e agirmos como animais midiatizados que precisam fazer justiça, denegrir, agredir, ofender, ser juiz, promotor, advogado do diabo, apenas para termos fama nas redes sociais. O ponto positivo de tudo isto, é que a lei da selva tem assustado! A expectativa é de que este assombro faça com que as pessoas possam refletir sobre o comportamento delas diante do outros e, sobretudo, diante de si mesmas, porque antes de fazer mal aos outros, estamos denegrindo a nós mesmos!

Letícia Jury é jornalista e mestre em Comunicação (UFG)

Deixe um comentário