Paródia de paródia de parábola
IRON JUNQUEIRA
Ouvi uma bela paródia da parábola do Bom Samaritano:
“Era uma linda manhã de um domingo claro e ameno. Estendido numa calçada, havia andrajoso homem todo feridento e magro, gemendo de aflição, dor e desespero.
Os transeuntes passavam indiferentes, em demanda de lugares diversos, sendo que a maioria se dirigia aos templos religiosos para as suas orações domingueiras.
E a todos que passavam, o infeliz da calçada estendia a mão e rogava socorro. Mas os passantes, com suas roupas de gala, caminham bulhentos em grupos, comentando o dia e distribuindo risos e alegria, sem, no entanto, notarem o pobre desventurado.
Um católico vinha a passos largos, roupa domingueira, estava alegre, jovial quando, ao rentear-se com o andrajoso, este lhe pediu:
— Amigo: ajuda-me, por piedade! Tenho fome, dá-me o que comer; tenho sede, dá-me o que beber; estou doente, acode-me…
O religioso, no entanto, justificou:
— Sinto muito, meu irmão, agora não posso. Estou com muita pressa ou chegarei atrasado para a missa. E foi-se.
Logo mais, vinha um protestante, portando, na mão direita, o sagrado livro do Senhor, o que, aliás, animou o homem da calçada a dirigir-lhe a palavra:
— Meu irmão: por caridade, por amor a Jesus, acode-me! Tenho fome, tenho sede, e estou enfermo…
— Outra hora, meu caro, agora não posso. Tenho que apressar-me para o culto na minha igreja. Depois conversaremos… — E foi-se, também, alegre, disposto, sorridente.
Em seguida, vinha o Espírita, jovial, apressado, assoviando, quando é abordado pelo homem da calçada que, estendendo-lhe a destra, falou-lhe nestes termos:
— Irmão, irmão! Socorre-me, em nome de Deus: tenho fome, tenho sede, estou desamparado — ajuda-me, ajuda-me…
— Eu prometo voltar dentro de uma hora, meu irmão, quando, então, te haverei de ajudar. Agora, todavia, é-me impossível fazer qualquer coisa por ti. Estou atrasado para a minha sessão, e não posso faltar a ela… — E, tal como os demais que se ufanam e que se dizem cristãos, afastou-se, lesto.
Finalmente, vinha o ateu. Um tipo folgazão e boêmio, que demandava o lar, depois de noite festiva. Assoviava, contente, alheio à bela manhã primaveril. Foi, também, abordado pelo homem doente do passeio:
— Oh, irmão, ajuda-me, por Caridade! Veja como estou magro, feridento e doente; tenho fome e sede, sinto frio e abandono…
— Por que pedes logo a mim, que não tenho obrigação nenhuma com a Caridade?
Indagou o descrente boêmio.
— É porque pedi a muitos que por aqui passaram e, no entanto, nenhum deles me socorrera, pois tinham obrigações com os templos e igrejas que frequentam.
— Eu, porém, — disse o ateu, ainda meio sonolento, felizmente, não tenho nenhum compromisso com igrejas, nem templos. Posso, portanto, te ajudar.
E tomando o braço do enfermo, conduziu-o de carro para uma hospedaria onde autorizou um especial cuidado com o seu protegido, acrescentando, ainda, ao hoteleiro:
— Chama o médico, cura-lhe as feridas, alimenta-o e faze, por ele, tudo o que desejarias que te fizessem, se fosses tu o doente, e depois, manda-me a conta, e pagar-te-ei de bom grado. Não poupes gastos! Dá-lhe do melhor!
E, tomando a rua, o ateu continuou a caminhar, alegre, assoviando, mãos nos bolsos, tranquilo — feliz…
***
Agora me responda, criatura: de entre os quatro que foram abordados pelo infeliz, “qual foi o seu próximo mais próximo”?
Estão certos quando dizem alguns religiosos de nossos tempos: —“Mais vale um ateu honesto, que mil religiosos hipócritas”.