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IRON JUNQUEIRA

Osires e Marcelo eram dois jovens na faixa dos vinte anos; grandes amigos,conversavam muito, sobre qualquer assunto, alegremente, e adoravam namorar as meninas que se tornavam suas amigas.

Um deles, o Marcelo, trabalhava como publicitário em um jornal, o Osires era excelente vendedor numa ótica. Todos os dias o publicitário, nas suas visitas às lojas e estabelecimentos vários, faturando anúncios para o jornal onde servia, tirava um horário para saber e contar sobre as novidades do dia, e o comerciante, vendedor de óculos, relatava ao colega as notícias diárias, pois a loja onde prestava seu talento de vendedor era no centro da cidade, onde bochichos e burburinhos corriam soltos no meio dos habitantes da cidade. Cada um deles tinha seus noticiários, colhidos junto aos movimentos citadinos. Sabiam de todos e sobre tudo comentavam.

A amizade deles durou por tempos e virou rotina. Funcionários de firmas diferentes,encontravam-se durante a pausa nos seus expedientes, riam, contavam novidades e iam para junto de suas famílias, que moravam distantes uma da outra.

Como nem tudo é constante, nem toda amizade fica imune de inveja, houve quem conseguisse montar um entrevero entre os dois amigos, jogando um contra o outro.

Osires, educado aos moldes antigos, foi criado por bondosa parente distante, carreava na sua personalidade os rancores insistentes e provocadores, de forma que toda vez que cruzava com seu antigo amigo numa calçada ou esquina, cuspia de lado demonstrando nojo ou desprezo, em troca de nada. Marcelo — que não conhecia esses modos — nada dizia, não revidava a provocação, sequer sabia o que representava o gesto do ex-colega, que seguia para sua loja ou casa.

Marcelo desconhecia aquelas estranhas atitudes. Era daqueles de muitas amizades; popular na cidade, no dia do desentendimento com Osires apenas esperou uns troca socos e palavras ofensivas, porém, como a briga “nos tapas” não logrou efeito, o publicitário calou-se, esperou troca trancos, mas como Osires só ficava nos xingamentos, não aceitando nem rounds nem violência, deixou o adversário nervoso, falando sozinho, utilizando escarros como provocações e, Marcelo, sendo mais calmo, foi-se. Seu ex-amigo pareceu-lhe um velho teimoso, cara de zanga e ombros recolhidos, com gestos inquietos, girando em torno de si mesmo, repetindo cusparada enquanto agitado.

Marcelo apenas fez um gesto, levantando a mão direita pra cima, num aviso de despedida, e nunca mais quis saber do colega de festas e passeios, serestas, etc.

No entanto, de quando em vez os antigos companheiros passavam um pelo outro. Entretanto, nestes instantes, Marcelo o ignorava para evitar encrencas, mas Osires repetia seu habitual gesto de cuspir de lado, num ato de despeito.

Marcelo pensou… Nada dói mais do que o desprezo… vou revidar esses encontros ou circunstâncias de modo mais civilizado. E daquele dia em diante, sempre que Marcelo via, ou ouvia alguém que lembrava seu desafeto, pra afastar da mente qualquer tipo de mágoa evitava ver as escarradas e mandava um pensamento aoPai: “Deus cure Osires desse ódio”.

Naquele tempo havia um senador por Goiás cujo nome era muito repetido nos meios políticos, Osires Teixeira, politiqueiro como seus colegas, vivia junto da nata citadina. Era ouvir o nome desse senhor nas emissoras, nas rodas de amigos, ou de ler nos jornais a respeito do senador, que Marcelo repetia em pensamento: “Que Deus o ampare e o ajude”… Mas esse hábito ficara inevitável. Era ele ver alguém parecido com o ex-amigo, cuja inimizade já estava antiga que Marcelo, em mente, de forma automática, emitia seu pensamento: “Que Deus o abençoe…”

Sabem aquele costume dos antigos que, quando trovejava em tempo de chuva, eles se auto protegiam com o refrão — “Santa Bárbara!” Era o publicitário ouvir o nome do desafeto, instintivamente, seu pensamento repetia “que Deus abençoe Osires”… Era infalível.

Certo dia Marcelo estava no “Café do Seu Antônio”, onde trabalhava um atendente humilde apelidado de “Pirinópi-lá”, o Deusdeth.

Atendido por ele, Marcelo foi pagar:

— Deusdeth, quanto foi minha despesa? E procurava os miúdos nos bolsos, quando o atendente lhe respondeu:

— Não é nada não, Marcelo…

— Uai, por que, “Pirinópi”, gentileza do boteco?

— Não, respondeu o rapaz humilde:

— É que aquele senhor ali já pagou. Disse indicando com o cabo da vassoura a pessoa que estava na ponta esquerda do balcão. Era o Osires, seu antigo rival.

— A que devo tal gentileza, Osires?

Ao que este, humilde, educado, bem diferente das atitudes grotescas, estendendo a mão conciliadora, com um sorriso, disse:

— Sabe, Marcelo, eu não sei por que, por mais eu tentasse querê-lo mal, incendiar minha raiva contra você, jamais o conseguia. Era fazer um pensamento de ódio contra sua pessoa, batia-me tremendo arrependimento, e me parecia que, ao escarrar no chão para provocá-lo, a minha consciência me repetia:

— Meu filho, nem a um cão morto a gente utiliza de uma atitude tão repelente… E tal pensamento me fazia lembrar a voz de minha mãe… E com o passar do tempo fui conhecendo uma opinião que se nem a inimigo deve tratar mal, quanto mais a amigos”…

Estendeu a mão enquanto dizia:

— É impossível ficar de mal a quem é bom.

Despedindo-se fez um gesto amigo, emocionado, e disse:

— Desculpe minha ignorância. Somos amigos de novo. E se foi.

*************

Daquele dia em diante nunca de novo os dois amigos se reencontraram. Não se viram. Seus caminhos não se cruzaram mais.

Sempre quando surgir uma oportunidade de se reconciliar com alguém, faça-o sem demora. Nem notícia tiveram um do outro.

Quem sabe só faltava aquele recíproco perdão para se restabelecer a paz entre nós e o inimigo.

E ninguém pode deixar esta vida com mágoa no coração.

Quem o céu espera?

03-08-2015

 

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