Home Editoriais Cidades “Presos do semiaberto hoje brincam de ficar em casa”

ANA CLARA ITAGIBA

Há dois meses, 558 presos da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Aparecida de Goiânia, foram transferidos para no novo presídio de Anápolis, mesmo com as obras inacabadas. Na época, uma rebelião terminou com 30 feridos e cinco mortos na POG. Entre os mortos, estava Thiago César de Souza, conhecido como Thiago Topete, líder de uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas de Goiás. Como medida de emergência para evitar mais mortes, enviaram os presos para Anápolis. O presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca de Anápolis, advogado Gilmar Alves, recebeu o JE na terça-feira (25) para falar da realidade do sistema penitenciário antes e depois da transferência.

Com a ocupação do novo presídio, deixamos de falar do antigo. Como está a situação por lá?
Continua a mesma superpopulação. Onde tem capacidade para 270 pessoas, hoje possui 700. É um presídio antigo com o muro muito baixo. Tem casas em Anápolis que tem o muro duas vezes maior do que o de lá. Não era um local para ser um presídio. No início era para 70 pessoas, mas foi aumentando, fazendo um puxadinho aqui, um puxadinho dali. O próprio Conselho da Comunidade na Execução Penal construiu celas de [presos por] pensão alimentícia, as celas femininas com capacidade para 30 pessoas, celas para portadores de diplomas, celas de idosos, celas para as pessoas que trabalham com material cortante. Reformamos todas as outras celas, trocamos todo telhado e trocamos a parte elétrica, fizemos asfalto, pátio, cobertura e galpão para abrigar as 270 crianças que fazem visitas e mais 2 mil familiares que antes ficavam no sol. Então é um presídio totalmente esquecido pelo Estado. De acordo com a lei da execução penal, esse presídio deveria ser só de presos provisórios e os condenados deviam ir para outros presídios, como o que ainda está inacabado e que foi ocupado inconstitucionalmente.

A informação é que os presos que vieram de Aparecida de Goiânia estariam ‘batizando’ os daqui, que estavam entrando para uma facção criminosa. Isso procede?
Nós não temos informações seguras sobre isso. Ouvimos o Ministério Público falar que viu em um site de batismo, mas o Conselho não toma conhecimento sobre isso, porque eles também não falam com a gente sobre essas questões. Nós atuamos mais no direito constitucional e o direito que eles têm de cumprir uma pena digna.

Os presos que estão no novo presídio vão voltar para a Penitenciária Odenir Guimarães (POG)?
A princípio eles [membros do governo estadual] tinham feito um pedido para a doutora Lara Gonzaga de Siqueira, que é a juíza de Execução Penal, para voltarem em uma escala de 124 [presos] nos próximos dias, mas desse tempo já se passou quase um mês. Voltaram 105 e ainda faltam 20 para retornar. Nós do Conselho da Comunidade na Execução Penal acreditamos que vai ser cumprido o prazo que eles pediram. Ou seja, 15 dias para adequar o contrato, a firma começar a construção e 120 dias para entregar a obra, que é uma muralha que vão fazer para dividir os complexos e evitar aquelas chacinas na POG.

Então qual seria o prazo para retorno de todos?
Nós acreditamos que em julho todos os presos já tenham voltado para a POG, porque em um presídio mal acabado os presos tentam fugir o tempo todo. Cavaram um túnel lá [no novo presídio de Anápolis] recentemente, só não conseguiram escapar por conta da esperteza do diretor Clariston que percebeu o que estava acontecendo. É um presídio que não está concluído, não tem nem estrada para chegar lá e precisava construir um trevo ali na BR-414. Ontem [24/4] tivemos uma reunião com a doutora Lara a respeito da devolução desses presos, que precisa ser o mais rápido possível. Está chegando uma nova promotora da Execução Penal para Anápolis, pois o doutor Lucas [Braga] vai para Vianópolis. Nós acreditamos que essa obra da POG está acelerada para que os presos voltem o quanto antes para Aparecida de Goiânia.

Qual o futuro desse novo presídio: ser regional ou servir apenas a Anápolis?
Desde o início de 2016, há mais de um ano, nós temos lutado, ido à imprensa e pedimos ao presidente do Tribunal de Justiça [Gilberto Marques Filho] para que o novo presídio não seja regional, mas o peso do governo é muito grande. Eles estão querendo a todo custo que esse presídio seja regional. Mas, veja bem, se queriam uma regional, deviriam ter feito um presídio para pelo menos 2 mil vagas. E fizeram um de 300. Isso não tem cabimento. Só aqui em Anápolis nós já temos mais de 300 condenados. Este presídio já está superlotado, não tem como ele ser regional. A ideia do governo é fazer quatro presídios regionais, se eu não me engano em Rio Verde, Itumbiara, Luziânia e Anápolis, e unir todos eles fazendo um complexo, para transferir presos quando tiver problemas. Para isso deveriam ter feito um local com maior capacidade.

Esse sistema não é o adequado?
Eu trabalho no estado do Mato Grosso também e lá em Dourados tem 250 mil habitantes, enquanto a capacidade do presídio deles é de 3 mil vagas. Eles fizeram uma estrutura de complexo regional para depois levarem os presos. Mas aqui não tem estrutura para isso. Se a POG, que é o antigo Cepaigo, que é regional, não tem condições nem de lidar uma rebelião, imaginem em Anápolis. Se quiserem fazer presídios regionais, primeiro tem que ser feito o prédio e a estrutura para atender a demanda. O preso não é igual um bicho que você só vai enjaulando, ele precisa ter um mínimo de dignidade. Não podem ficar sem banheiro para fazer suas necessidades e tem que ter uma cama para dormir. É preciso mudar essas coisas senão vai continuar o desastre que é lá na POG. O Estado não cuidou de lá.

O que o Conselho da Comunidade tem feito para melhorar o sistema penitenciário de Anápolis?
No novo presídio nós já levamos material de higiene, fizemos várias visitas e já conversamos com vários presos. Temos feito o que a lei de execução penal nos manda fazer. Somos agentes fiscalizadores e colaboradores da administração do presídio, da Secretaria de Segurança Pública e somos subordinados do Conselho Nacional de Justiça. Temos prestado informações para todas essas partes, inclusive para a juíza da Execução Penal, para o Ministério Público, diretor do Fórum de Anápolis, o doutor Ricardo Silveira Dourado, e o presidente do Tribunal de Justiça, o doutor Gilberto, para mantê-los a par do que está acontecendo. Nós estamos lutando com unhas e dentes para devolver os presos para a POG. Não aceitamos o que está acontecendo. Os condenados e os não condenados estão ficando juntos. Eles deviam estar separados, mas misturam-se todos os artigos. Eles não podem ficar no mesmo lugar porque um influencia o outro mesmo, é uma escola do crime. Nesse sentido estamos lutando para que a lei seja cumprida. Já não temos o regime semiaberto em Anápolis. O semiaberto aqui é residencial. Quem comete crime aqui e a pena é inferior a oito anos, fica em casa. É a única cidade do Brasil que tem mais de 400 mil habitantes que se se a pessoa comete um homicídio simples não vai preso. Aqui em Anápolis acontecem arbitrariedades pelo esquecimento do Estado. Infelizmente a nossa cidade foi totalmente esquecida quando se trata de segurança pública.

O tratamento dado aos presos reflete na segurança pública de que forma?
Vou dar o exemplo do cavalo, que é um animal bruto. Se ele é mal domado, no sentido de treinamento, e o tratarem só com violência, batendo e reprimindo, vai ficar cada vez mais agressivo. Da mesma forma acontece com presos. É preciso educar e ressocializar, a pessoa volta para a sociedade curada daquilo. Não adianta querer tratar o preso com violência, sendo que ele só piora. E hoje não são só 30 pessoas, são 700. E pode ter certeza que um dia algum deles pode ser seu vizinho no futuro, e nós somos as próximas vítimas. Não temos liberdade porque na raiz do problema não se faz nada para acabar com o crime. Há 10 anos só se preocupavam em encarcerar e torturar, aqui em Anápolis tinha muito disso também. Mas com o tempo está acabando. É preciso colocar a criança em estudo integral para que ela não seja o criminoso de amanhã.

Quando teremos um local para o semiaberto? O que a falta desse estabelecimento provoca na segurança da cidade?
Todos nós sabemos que o semiaberto é quase igual ao fechado. A única diferença é que a pessoa que tem um emprego sai para trabalhar. Lá em Aparecida de Goiânia tem aproximadamente 2 mil [condenados] no semiaberto, mas somente 500 saem para trabalhar, o resto fica preso. Quem trabalha no meio de semana volta na sexta e sai na segunda para trabalhar. Em Anápolis não tem semiaberto. Em 2007 foi interditado [o local para cumprimento dessa pena], porque era junto do fechado e então quem vinha de fora levava tudo de ruim para o presídio. Quando isso aconteceu o Estado deveria ter providenciado um local específico para o semiaberto, mas não fizeram. Hoje os condenados do semiaberto brincam de ficar em casa e isso reflete nos números de homicídios de Anápolis. Quem faz parte da ciência da criminologia, agora também faz parte da ciência da “vitimologia”, eles estão se matando. Essas pessoas deviam estar no presídio à noite, mas estão na rua fazendo acerto de contas. A criminalidade aumentou porque as leis são brandas e não existe um local para colocar o preso. O juiz e o promotor tem que ficar buscando uma saída para tirar o detento do presídio porque já não cabe mais ninguém. Anápolis é como aqueles faroestes americanos, uma cidade sem lei.

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