A guarda compartilhada e o princípio do melhor interesse da criança: avanços e contradições na jurisprudência brasileira

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Foto: Freepik

A guarda compartilhada se tornou, nos últimos anos, o modelo prioritário nas decisões judiciais envolvendo pais que se separam. A intenção da lei é clara: manter o vínculo da criança com ambos os pais e garantir que pai e mãe participem, de forma equilibrada, das decisões importantes sobre a vida dos filhos. Apesar disso, na prática, ainda existem muitas dúvidas e desafios na sua aplicação, especialmente quando o assunto se cruza com o princípio do melhor interesse da criança.

A legislação brasileira, por meio das Leis nº 11.698/2008 e 13.058/2014, determinou que a guarda compartilhada deve ser a regra, mesmo quando não há consenso entre os pais. Isso significa que o juiz pode aplicá-la de forma impositiva, desde que entenda que essa é a melhor solução para a criança. Nesse modelo, o foco não está na divisão exata do tempo de convivência com cada genitor, mas na responsabilidade conjunta nas decisões que envolvem a educação, a saúde, os valores, a rotina e os cuidados gerais com a criança.

Esse entendimento se alinha ao princípio do melhor interesse da criança, previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em tratados internacionais assinados pelo Brasil. Esse princípio determina que todas as decisões que envolvam menores devem priorizar o seu bem-estar físico, emocional, psicológico e social. Em outras palavras, as escolhas feitas por pais, advogados e juízes devem proteger a infância e promover um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento da criança.

Na jurisprudência brasileira, já é possível perceber avanços. Tribunais têm reconhecido que a guarda compartilhada pode ser benéfica mesmo em situações de leve conflito entre os pais. A compreensão atual é que o modelo contribui para reduzir a alienação parental, fortalece o vínculo com ambos os genitores e estimula a responsabilidade conjunta. Há decisões que destacam, inclusive, que o simples fato de existir algum desentendimento entre os pais não é suficiente para afastar esse tipo de guarda.

No entanto, também é verdade que a aplicação prática da guarda compartilhada ainda apresenta contradições. Em muitos casos, observa-se que a mãe continua arcando sozinha com a maior parte das tarefas diárias, como levar o filho à escola, a consultas médicas e resolver questões práticas da rotina. Isso revela que, embora formalmente compartilhada, a guarda pode acabar recaindo de forma desproporcional sobre um dos genitores, o que fere o equilíbrio que a lei busca promover.

Além disso, a falta de uniformidade nas decisões judiciais também preocupa. Enquanto alguns juízes entendem que a guarda compartilhada deve ser aplicada mesmo quando há certo grau de conflito, outros a negam com base nesses mesmos conflitos. Isso gera insegurança jurídica para as famílias e pode comprometer o que deveria ser o foco principal: o interesse da criança.

A guarda compartilhada é um importante instrumento para assegurar a participação de ambos os pais na vida dos filhos e promover uma criação mais equilibrada. No entanto, sua eficácia depende de uma análise cuidadosa de cada caso, com escuta ativa das famílias envolvidas e, sempre que possível, com a inclusão da própria criança no processo decisório, de acordo com sua idade e maturidade. O melhor interesse da criança não pode ser tratado como um conceito abstrato, ele deve guiar cada passo do processo e refletir um compromisso real com o futuro dos nossos filhos.

Autora:

Damires Rosa Ramos – Advogada

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