Home Editoriais Cidades Autolesão ‘por desafio’ vira prática comum entre jovens

Primeira preocupação é com a contaminação entre os jovens, já que eles utilizam a mesma lâmina para se cortarem; em uma única escola no Jundiaí foram registrados 11 casos

LUIZ EDUARDO ROSA

O crescente número de casos de autolesão praticados por adolescentes em Anápolis, levados ao conhecimento do Conselho Tutelar, geraram um seminário nessa última semana que envolveu a Subsecretaria Estadual de Educação, numa tentativa de entender os motivos e propor soluções para o problema.

Os jovens provocam ferimentos em si próprios por dois motivos: desafio para pertencer a grupos na escola e por depressão. A autolesão é identificada como o ato da pessoa com objetos como facas, giletes ou canivetes lesionar seu próprio corpo. A prática vem se difundindo entre os adolescentes de uma maneira global, já sendo constatada em várias partes do país.

“Anápolis não está fora dessas tendências entre os adolescentes, popularizadas principalmente através da internet. Eles estão totalmente integrados neste fenômeno”, explica a psicóloga da Equipe Técnica de Psicologia do Conselho Tutelar, Larissa Priscila Fernandes.

Em fevereiro o Conselho Tutelar foi informado de 11 casos em uma única escola, 4000 no Bairro Jundiaí – a reportagem não foi informada se é um estabelecimento público ou privado. Em visita a essa e outras unidades de ensino foram sendo descobertas mais outras ocorrências. Os lesionados estão entre oito e 15 anos de idade.

A primeira preocupação da psicóloga Larissa Fernandes é com a contaminação entre os jovens, já que eles utilizam a mesma lâmina para se cortarem. Com este alerta, o Conselho Tutelar junto às secretarias Municipal e Estadual de Educação e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social realizaram o evento de conscientização envolvendo diretores de escolas.

“A ideia inicial é conscientizar os gestores das unidades de ensino sobre o problema. Nas próximas etapas envolveremos professores e mais adiante os pais”, explica a psicóloga da Equipe Multiprofissional de Apoio Educacional (EMAE) Eliane Santos Batista.

A estratégia elaborada pela equipe técnica do Conselho Tutelar, em conjunto com os parceiros que participaram do evento e também com o apoio do Juizado de Infância e Juventude de Anápolis (Jija) é a conscientização dos integrantes parceiros para que as unidades educacionais saibam o que fazer ao detectar casos de autolesão. A equipe técnica do conselho passa a receber os adolescentes e encaminhar devidamente cada caso que originou a autolesão, tendo em vistaque não é uma só motivação para que seja cometido tal ato.

Motivos

Os motivos para tal atitude por parte dos adolescentes estão em uma cultura atual global chamada de cutting, que é o fato de se chamar a atenção dos outros ao redor e pertencer a uma roda de amizades a partir do desafio de fazer cortes cada vez mais numerosos e mais profundos em si mesmos.

A prática torna-se mais presente em um momento da vida que o jovem, naturalmente, se rebela contra os pais e se acha acima de todos os perigos. Ela é feita em grupo ou o adolescente sozinho, e a maioria dos cortes são na região do antebraço, o que não impede de que outras partes também sejam alvos.

Os aliados da difusão do cuttingpor “desafio” são as redes sociais e também programas de televisão (principalmente a cabo) que expõem tanto atores que confessam ter cometido a autolesão em algum momento de sua vida, de maneira acrítica. “O adolescente faz uma foto da lesão e divulga no Facebook ou Whatsapp, dizendo que desta vez fez um corte de cinco centímetros de profundidade ou de dez de diâmetro e assim por diante, os outros já ficam incitados em superá-lo”, exemplifica Larissa Priscila.

O segundo maior motivo é de origem psicopatológica (doenças da alma) em que o adolescente passando pelo processo depressivo faça os cortes para chamar a atenção em um meio que geralmente não lhe dá atenção, seja família, comunidade escolar ou outros espaços de convivência. “Os perigos estão presentes nos dois casos, no primeiro a prática quando realizada em grupo pode utilizar a mesma lâmina gerando oportunidades de transmissão do vírus HIV e o segundo por avançar em estágios que a culminância se dê com o ato suicida”, explica Larissa Priscila.

O cutting dificulta identificar quem sofre de depressão e precisa de ajuda imediata para evitar uma tragédia. A estratégia da equipe técnica do Conselho Tutelar será realizada em praticamente três atendimentos com o adolescente praticante, para se distinguir o fato da autolesão ser por de “desafio” ou “depressão”. Sendo caso de depressão, o adolescente será encaminhado para o Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) para tratamento.

Já sendo caso de desafio, serão criados grupos de diálogo entre adolescentes em que eles serão atendidos e preparados para multiplicar a conscientização entre outros jovens nas unidades de ensino. “Adolescente conversando com adolescente será uma prática muito mais eficaz tendo em vista a linguajem e o momento vivido. O adulto fazendo tal orientação talvez seja distante deste público”, explica a psicóloga Larissa.

Falta diálogo entre pais e filhos

Alguns aspectos foram percebidos pelas equipes técnicas em relação ao problema. Um deles é o atual quadro de distância dos pais em relação aos seus filhos, sem um diálogo mais próximo e sem orientações sobre este momento da vida que é a adolescência.

“A casa ultimamente acaba ou por isolar os membros da família ou então mesmo quando juntos deixá-los inertes e sem diálogo interagindo com a TV, computadores e aparelhos celulares”, explica a psicóloga da EMAE Eliane Santos. Ela também pontua que os casos de cutting por depressão estão mais presentes entre as meninas, que internalizam a não aceitação e a carência afetiva, sendo menor entre os meninos que expõem tais sentimentos através da violência e através da falta de disciplina.

A maioria dos casos de autolesão para Larissa Priscila é por desafio e que nesta motivação o número é igual de praticantes meninos e meninas. Outro aspecto levantado é que a maior incidência dos casos está em adolescentes que estudam em escolas públicas ou privadas que situam em bairros centrais e com um perfil socioeconômico de maior poder aquisitivo, tendo em vista o maior acesso às tecnologias de informação.

“Porém a maior incidência nos bairros centrais não descarta os aparecimentos dos casos nos bairros mais distantes e entre comunidades de menor poder aquisitivo, pelo fato dessas tendências circularem sem muita dificuldade no universo adolescente, seja de que condição socioeconômica estejam”, explica Larissa.

As orientações dadas para pais e educadores pelo Conselho Tutelar é de que ao identificar as marcas do corpo, aumentem o diálogo e a aproximação com o adolescente de forma amistosa, porém de maneira a orientar. “Para o adolescente é necessário que se repita a orientação várias vezes para que assimile a dimensão do perigo deste tipo de prática”, explica Larissa.

Entre os professores, o importante é não tratar com repreensão e sim de abrir um diálogo amigável, mas de forma que essa relação não se torne algo que caia em brincadeiras e em desrespeito “entre iguais”, como acontece na maioria das vezes que o professor tenta se aproximar do aluno. Com a permanência das autolesões o Conselho Tutelar está pronto para atender e encaminhar os casos segundo a natureza da prática.

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