Home Editoriais Política Em cinco páginas, Ditadura calou urnas anapolinas por 12 anos

Decreto-lei do presidente Médici que retirou o direito do anapolino de escolher prefeito pelo voto completa 44 anos

MARCOS VIEIRA

Há 44 anos, no dia 28 de agosto, Anápolis era afetada diretamente pela Ditadura Militar, ao se transformar em área de segurança nacional, através de um decreto-lei do presidente general Emílio Garrastazu Médici e permanecer 12 anos sem poder eleger prefeito pelo voto direto. Apesar de simbólica, a data é pouco lembrada por gerações que nasceram na democracia e quase não se interessam pelo tema ou simplesmente acreditam que os militares eliminaram os diretos do povo por 21 anos somente para barrar o comunismo.

É interessante ver hoje que Anápolis se tornou área de segurança nacional justamente por suas qualidades. Ou seja, a cidade foi penalizada com a perda do direito de escolher seus governantes porque tinha importância significativa em Goiás. Essa lógica dos militares explica a razão da Ditadura – mais do que qualquer “ameaça vermelha”. Dois ideólogos do regime, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, acreditavam que o brasileiro não sabia votar, por isso caberia a um colegiado escolher os mandatários. Para eles, o Brasil era importante demais para ter seus destinos nas mãos do seu povo, iletrado e incapaz de escolher os governantes. Nesse sentido, para os milicos, Anápolis também era importante demais para escolher seus prefeitos.

Ata da 32ª consulta do Conselho de Segurança Nacional, datada de 27 de julho de 1973, com carimbo de secreto, assinada pelo general João Baptista de Oliveira Figueiredo, secretário-geral do órgão, faz menção a uma exposição de motivos para inclusão de Anápolis na área de segurança nacional. O documento explica que foram criados critérios pelo Ministério da Justiça para efetivação da medida. Eram quatro:

Político: município cuja história política, através dos tempos, se caracterize por graves tumultos eleitorais.

Econômico: municípios onde haja localização de atividades industriais ou parque industrial de maior interesse para a segurança nacional.

Psicossocial: municípios que apresentem condições sociais de fácil exploração por elementos subversivos, visando a perturbação da ordem.

Militar: municípios que apresentem condições estratégicas ou táticas de maior interesse para a segurança nacional, inclusive os da faixa de fronteiras.

Desenvolvimento
Na sequência o documento, que hoje pode ser consultado no Arquivo Nacional, fala especificamente da Anápolis daquela época. A primeira informação é que com a transferência da capital do Brasil para Brasília, “originou surto de desenvolvimento extraordinário para Anápolis”, atraindo brasileiros de todas as partes do país e a fixação de empresas, sobretudo de gêneros alimentícios, em solo anapolino.

O general Figueiredo também destaca o potencial logístico de Anápolis. “O terminal ferroviário e o cruzamento das principais rodovias sul-norte e leste-oeste ressaltam a importância e sensibilidade de Anápolis”, diz o texto, para em seguida completar: “a situação geográfica evidencia a imprescindibilidade de Anápolis para a segurança do Distrito Federal”.

A Base Aérea, que tinha começado a operar um ano antes, em 23 de agosto de 1972, também se transformou em motivo para a inclusão de Anápolis na lista dos municípios de interesse da segurança nacional.

Em 9 de agosto, João Baptista Figueiredo se dirigiu ao presidente Médici, informando sobre o “minucioso estudo” do Conselho de Segurança Nacional, sobre a aprovação dos membros do órgão e a ementa do decreto-lei que tiraria o direito ao voto do anapolino: “declara de interesse da Segurança Nacional, nos termos do artigo 15, § 19, alínea b, da Constituição o Município de Anápolis, do Estado de Goiás, e dá outras providências”.

Em 28 de agosto, então, o presidente sancionou o decreto, que recebeu o número 1284 e foi assinado pelo presidente Médici e o vice-presidente Augusto Hamann Rademaker Grünewald, além do presidente do Conselho de Segurança Nacional, general João Baptista Figueiredo, 18 ministros e quatro chefes do estado-maior (das Forças Armadas, da Armada, do Exército e da Aeronáutica).

Aquela ata de cinco páginas cassou o prefeito José Batista Júnior, que tinha sido eleito pelo voto direto, era do MDB e tinha assumido o cargo no início de 1973. No dia seguinte à inclusão de Anápolis na área de segurança nacional, foi nomeado prefeito Irapuan Costa Júnior, da Arena, o partido dos militares. Ele ficou no cargo até 15 de maio de 1974.

Oito prefeitos
Outros oitos prefeitos foram nomeados naqueles anos: Eurípedes Barsanulfo Junqueira, Jamel Cecílio, Lincoln Gomes de Almeida, Decil de Sá Abreu, Wolney Martins de Araújo, Fernão Ivan José Rodrigues, Olímpio Ferreira Sobrinho e Anapolino Silvério de Faria. Em 1º de janeiro de 1986 foi empossado o primeiro prefeito eleito depois desse período, Adhemar Santillo, que cumpriu mandato até o final de 1988. A partir dele a cidade nunca deixou de eleger seus governantes pelo voto direto e até fez valer o direito constitucional do impeachment, com Ernani de Paula, cassado em 2003.

Além de perder o cargo que ganhou nas urnas, José Batista Júnior teve seus direitos políticos suspensos por dez anos. Apeado da prefeitura pelo Regime Militar, ele decidiu fixar residência em Brasília, voltando para Anápolis somente 40 anos depois. José Batista era ligado aos irmãos Santillo – inclusive tinha sido chefe de gabinete de Henrique, na Prefeitura de Anápolis, entre 1970 e 1973. O prefeito cassado pelos militares venceu sua eleição contra o candidato do governador Leonino Caiado.

Em seu livro de memórias, “Da Colônia de Cocais aos Palácios”, Adhemar Santillo diz que desde a posse de José Batista Júnior, em 1º de fevereiro de 1973, a Arena trabalhou para tirar do poder o prefeito do MDB que lhe havia derrotado nas urnas. As alegações econômicas, logísticas e militares, constantes na ata do general Figueiredo, portanto, seriam apenas pano de fundo para uma disputa meramente política. Sobre a manobra, Adhemar escreveu: “embora não tenha havido nenhuma reação santillista ou algum distúrbio popular em Anápolis contra esse ato antidemocrático e arbitrário, ficou muito difícil para os arenistas darem uma explicação sobre como chegaram à prefeitura, sendo que pouco antes haviam sido derrotados nas urnas pelo povo, cuja cidade agora administravam”.

Eleito deputado federal em 1974, Adhemar Santillo tentou pelo menos em duas ocasiões retirar Anápolis da área de segurança nacional. No dia 2 de abril de 1975 ele apresentou um projeto de lei que revogava o decreto-lei do presidente Médici. O texto foi arquivado em 24 de junho de 1976, sob a alegação que estava prejudicado pela rejeição de outra matéria, de 14 de março de 1975, que tentava tirar a cidade de Canoas (RS) da mesma situação em que vivia Anápolis.

Em 6 de março de 1979, Adhemar fez outro projeto de lei, pedindo a mesma revogação, acrescentando o retorno da eleição de prefeito e vice-prefeito. A propositura foi arquivada, mas somente em 2 de fevereiro de 1982.

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